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Artesão grava em madeira tradição natalina do presépio em Juazeiro do Norte

Artesão grava em madeira tradição natalina do presépio em Juazeiro do Norte

Foto: Rogério Resende
Boni, vencedor do XXII Concurso de Presépio Artesanal promovido pela CeArt, grava sensível visão de mundo na madeira. Também historiador e sanfoneiro, entende a arte como alimento de felicidade e resistência. A seleção polonesa de futebol viveu dias áureos nos Mundiais de 1982 e 1986. Em campo, as campanhas vitoriosas repercutiam o talento do jogador Zbigniew Boniek. No Cariri cearense, o futuro pai de um José decidiu homenagear o craque estrangeiro. O causo envolvendo a origem do próprio nome é contado com um sorriso dos mais fartos por José Bonieck Brito Tavares, o artesão Boni.

Trinta anos mais tarde, o universo criativo do artista permitiu a vitória no XXII Concurso de Presépio Artesanal, organizado pela Central de Artesanato do Ceará (CeArt). A iniciativa ilumina as inúmeras tipologias reconhecidas no Estado. O desafio é reconstruir a secular história do nascimento do Menino Jesus. Ao detalhar o feito, o juazeirense é reflexivo. O presépio é uma mensagem de esperança (veja quadro "Olhares vivos").

O primeiro contato da reportagem com o escultor aconteceu no início de novembro passado. A casa e oficina do artista, situadas no bairro do Limoeiro, em Juazeiro do Norte, foram cenário do filme "Lampião, o Governador do Sertão", próximo documentário do cineasta Wolney Oliveira. Boni e a esposa, Débora Raquel, são personagens do longa.
Peças articuladas como a do cantor Belchior demonstram a busca de Boni por novas técnicas - Foto: Débora Raquel
Câmeras, luzes e outros apetrechos do fazer cinematográfico se moldam ao ambiente dominado por ferramentas, frases de imortais da literatura e severa paixão por cultura. Inclua neste cenário o presépio vencedor, ainda no início da produção. Compreender a realização dessa obra nos pede um mergulho na trajetória do artista.

Munido de um canivete, criou a primeira obra por volta dos 10 anos. A imagem de Padre Cícero (1844-1934) virou um mimo destinado ao altar da mãe. Hoje, toca o próprio negócio na companhia inseparável de Raquel. Boni é autor de procurados "bonecos cabeçudos", originados a partir do manejo com madeira da amburana.

Historiador, sanfoneiro e devoto da cultura popular, o cearense assina arte marcada pela fusão entre o sacro e o pop. As inspirações unificaram expressões e estéticas das mais díspares e ricas. Das matrioscas russas ao domínio no barro de Mestre Vitalino (1909-1963). Percorreu da animação "South Park" ao legado de Mestre Noza (1897-1983).

Os dois dias de filmagem com o casal foram partilhados na companhia de bolo, café e reflexões generosas em torno do fazer artístico nos dias atuais. Futura bibliotecária, Raquel evidencia a notável sensibilidade do companheiro em criar esculturas dotadas de alma e identidade.

Se Boni cuida da criação, a sócia atua no contato com clientes e manutenção das redes sociais. Um dos canais de venda mais eficientes à labuta tocada pela dupla.

Busca por felicidade

O ano da guinada foi 2015. Boni ocupava posto de trabalho formal. Aquela coisa de carteira assinada, plano de saúde, horários. Entretanto, era infeliz. A coragem ganhou corpo com o apoio familiar. Pediu as contas e passou a atuar junto à esposa. O começo foi difícil e o horizonte ficou favorável quando conheceram a Feira Cariri Criativo. O projeto da Universidade Federal do Cariri (UFCA) é dirigido pela professora Cleo do Vale e presta fomento à cultura criativa da região.

"O que ganhamos dá pra viver, não somos ricos nem é a intenção. Estamos até tranquilos diante do momento do País, desse desmonte da cultura. Principalmente com esse público mais jovem que conseguimos alcançar", argumenta.

O início contemplou figuras tradicionais do Cariri. Como a oferta de artesãos talentosos no mercado é farta, foi preciso reinventar. "Os bonecos com personalidades tradicionais agradavam turistas. Mas o pessoal daqui, inclusive os jovens, não compravam. Passamos a fazer a linha pop e o público local gostou. A partir daí, conheceram meu trabalho e começaram a adquirir os tradicionais também. Fez os jovens ter conhecimento de figuras da nossa cultura".

O olhar do historiador o fez compreender o quanto a cultura humana de qualquer sociedade é dinâmica. "Existe a tradição, mas cada nova geração adquire informações novas. Podemos ser influenciados pelas coisas que vêm de fora, é claro, sem perdermos a identidade e originalidade", aconselha o realizador. Nada de virar as costas para o progresso. É vital abranger as duas realidades.

Os talhes repletos de liberdade geraram vultos como Carolina de Jesus (1914-1977), Friedrich Nietzsche (1844-1900), Ariano Suassuna (1927-2014), Frida Kahlo (1907-1954) e Belchior (1946-2017). As imagens pop estão juntas de Rita de Cássia (1381-1457), Clara de Assis (1194-1253), Frei Damião (1898-1997), Padre Cícero e toda a religiosidade profunda do Brasil. Ah, sem esquecer Luiz Gonzaga (1912-1989), inspiração de Boni tanto paras as esculturas como no dom de cantar com a inseparável sanfona.

A junção de cores e o formato das peças, com 13cm de altura, aproximam o trabalho da estética "toy art". Boni também desenvolve chaveiros de madeira e quadros para parede. Atende encomendas e encara o desafio de produzir artefatos em maior escala. Exemplo do casal Lampião e Maria Bonita, feitos especialmente para o filme do qual participou.

"Nós, principalmente aqui do Ceará e do Cariri, temos uma cultura tão rica que mesmo com todos os ataques sofridos, privações feitas, vamos resistir. Passamos por coisa pior. Tem coisa mais difícil que a seca? O momento é tenso? Sim. Vamos amargar, vamos. Mas resistimos. Nós que trabalhamos com arte e cultura devemos criar cada vez mais. Não tenho medo, a cultura popular, nordestina, do Cariri é maior do que isso. Nunca vai acabar. A palavra é resistência, sempre", defende o artesão Boni.

Olhares vivos

Estreante no concurso promovido anualmente pela CeArt, Boni nunca tinha produzido lapinha. Um tronco oco e sem utilidade permitiu ao artesão investir na criatividade e recontar a chegada do Menino Jesus. O processo de construção levou cerca de 20 dias. Os três Reis Magos ganharam a referência dos Irmãos Aniceto.

A beata Maria de Araújo, Padre Cícero, Frei Damião e Luiz Gonzaga são espectadores do nascimento. A pomba do Espírito Santo ganhou as cores do pássaro soldadinho-do-araripe. Jesus nasce num cenário rural, porém o Cariri urbano e pobre é retratado pela comunidade do Alto da Penha.

O vaqueiro traz a presença do pastor e o detalhe emociona. Boni homenageia o avô falecido em outubro. É arte dedicada ao ente querido. Ao lado de Boni (vencedor), um total de 21 artistas participou desta 22ª edição em 2019. Elisvaldo Cavalcante (fios /tecidos) conquistou o segundo lugar, Marciana Sampaio (madeira/argila), o terceiro, e Lusyennir Lacerda (cera, massa, gesso e parafina) ficou com o quarto lugar. Boa parte dos trabalhos participantes ainda está exposta na loja da CeArt, localizada na Praça Luíza Távora, na Aldeota, até 6 de janeiro. O presépio de Boni, no entanto, já foi vendido. (Por Antonio Laudenir/Diário do Nordeste)

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