Patrimônio cultural e arquitetônico de Barbalha, o Engenho Tupinambá preserva história canavieira
A fachada rústica de tijolos contrasta com o verde da natureza - FOTO: ANTONIO RODRIGUES |
O prédio, com arquitetura rústica e quase 200 anos de construção, integra a recém-lançada Rota Cariri
Em fervoroso crescimento econômico, verticalização e urbanização, o Cariri ainda possibilita uma "viagem no tempo" por meio de alguns locais que ainda se mantêm de pé. É o caso do Engenho Tupinambá, em Barbalha, incluído na Rota Cariri, lançada na última semana, que projeta potencializar o turismo na região. Lá, evidencia a força da cana-de-açúcar, sobretudo neste Município, apelidado da "terra dos Verdes Canaviais".
Pela proximidade do Centro urbano de Barbalha, o Engenho Tupinambá me lembra o verso gravado pelo cantor e compositor pernambucano Alcymar Monteiro. "O seu perfume é gostoso demais. Cheiro de mel, que o vento traz" vira um coro uníssono nas ruas em dia de Pau da Bandeira de Santo Antônio.
"Um dos patrimônios arquitetônicos mais importantes do Ceará", define o pesquisador Roberto Júnior, destacando a arquitetura incomum para a cultura canavieira do Cariri, com a junção da casa grande e engenho, que tradicionalmente são prédios separados, apesar de próximos.
Esta característica também é a mais marcante para o engenheiro elétrico Francisco Antônio Mourão, que me recebeu no Tupinambá. "Gosto muito deste aspecto. É uma característica trazida dos engenhos de Pernambuco", enfatiza.
A arquiteta e historiadora Yacê Feijó de Sá explica em sua pesquisa de mestrado que a história do Tupinambá começou em 1844, quando Antônio Manoel Sampaio compra uma terra no Sítio Barreiras da família Filgueiras, nas margens do rio Salamanca. Nela, já existia um pequeno engenho com casa de caldeira e mais seis tarefas de cana.
Com a herança de sua esposa, Antônia do Amor Divino, Manoel adquiriu outros terrenos vizinhos e formaram a enorme propriedade, que ele mesmo batizou de Tupinambá. Lá, edificou o engenho colossal, em 1855.
Localizado no centro de Barbalha, o Engenho Tupinambá evidencia a vocação da cultura da cana-de-açúcar, na chamada "terra dos Verdes Canaviais" - FOTO: ANTONIO RODRIGUES |
Um dos primeiros de máquina a vapor no Cariri, a produção passou a ser administrada pelo seu sobrinho e genro, Antônio de Sá Barreto. Mais tarde, seu neto, Elony Sampaio, trouxe mais desenvolvimento tecnológico a partir de novos meios de transporte, como caminhão e trator, e logística, a partir do motor a diesel, que aposentaria as caldeiras a vapor, além de moderno alambique de Pernambuco.
Uma série de fatores foi responsável pela decadência dos engenhos em Barbalha e também em outras partes do interior do Ceará, como o custo de produção e a concorrência das usinas. A expansão das estradas reduziu o preço do açúcar, que ficou mais acessível.
O Tupinambá foi desativado gradualmente até o início da década de 1980. Com aproximadamente 20 anos de abandono, parte do prédio desabou. "No fim das contas, até os mais modernos engenhos sucumbiram ao advento da indústria sucroalcooleira", justifica Roberto.
As engrenagens da moenda continuam intactas - FOTO: ANTONIO RODRIGUES |
Neto de José Pereira Pinto Callou, o Zé Major, agropecuarista que comandou o Tupinambá por quase 50 anos, o engenheiro civil Heraldo Callou foi um dos responsáveis por reconstruir o Engenho Tupinambá há cerca de 10 anos. As paredes foram erguidas dos próprios tijolos antigos que cederam. "Ali é um patrimônio familiar", diz. Hoje, ele é um dos proprietários do engenho. Uma vez por mês o visita.
Após ser restaurado, há seis anos o Tupinambá foi transformado em um buffet que recebe eventos sociais. O preparativo para uma cerimônia de matrimônio pude presenciar durante minha visita, no último sábado (7). O aspecto rústico do prédio, as paredes originais de quase dois séculos, se misturam aos lustres luxuosos. Essas recepções estão sendo fundamentais para mantê-lo.
Os tijolos são da construção original - FOTO: ANTONIO RODRIGUES |
O trabalho é feito pela advogada e empresária Maristela Mourão, que há 10 anos organiza eventos. De segunda a sexta-feira, em horário comercial, de 8h às 17h, ela está no Tupinambá recebendo as visitas e agendamentos de eventos.
Com entrada gratuita, ela me confessa que, a partir da inclusão do Tupinambá na Rota Cariri, pretende criar um café colonial e uma loja de souvenir, dentro do complexo, que funcione diariamente. "Ninguém vai sair só para tomar um café no engenho, mas se isso estiver linkado, dentro de um planejamento, pode dar certo", acredita.
As pessoas, em sua maioria, escolhem casar naquele prédio pelo apelo histórico agregado à casa, adaptada para eventos. Com quase 200 anos, o casarão preserva os buracos onde os senhores, estrategicamente, deixavam para colocar os fuzis e se defender de possíveis ataques. Algumas paredes ainda exibem a marca do fogo nos tempos do vapor. As telhas velhas foram resgatadas a partir de uma prospecção arqueológica.
Uma capelinha erguida no local proporciona um clima bucólico - FOTO: ANTONIO RODRIGUES |
A chaminé está no topo de um pequeno monte e a fumaça passava por baixo do solo. Ao seu lado, há poucos meses, foi construída uma pequena capela. Dentro do engenho, duas plantas baixas detalham como funcionava a produção. É impossível não se encantar pelo prédio. "Muitas pessoas, não é regra, fazem questão de casar aqui pelo apelo histórico agregado à casa", confessa Maristela.
Rota do Cariri
Os patrimônios natural e cultural da Chapada do Araripe e do Cariri são contemplados num roteiro turístico cultural e sustentável no sul do Ceará. Entre os atrativos, além da natureza exuberante, estão manifestações culturais populares tradicionais, expressões artísticas contemporâneas e patrimônio arqueológico e paleontológico.
A Rota Cariri, lançada neste mês, abrange 50 atrações das cidades de Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Santana do Cariri, Nova Olinda e Assaré.
Entre os pontos turísticos incluídos estão a estátua e o Museu do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte; a Fundação Casa Grande - Memorial Homem Kariri, Museu do Ciclo do Couro - Espedito Seleiro, em Nova Olinda; o Memorial Patativa do Assaré, em Assaré; o Museu de Paleontologia e o Pontal da Santa Cruz, em Santana do Cariri; a Estátua de Nossa Senhora de Fátima e o Caldeirão da Santa Cruz, em Crato; o Centro Histórico e a Festa de Santo Antônio, em Barbalha.
A iniciativa é da Secretaria do Turismo do Ceará (Setur), em parceria com a Secretaria da Cultura do Estado (Secult), e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), além dos seis municípios contemplados.
Roteiro
Como chegar
Barbalha fica localizada a 534 km de Fortaleza. O aeroporto Regional do Cariri (Juazeiro do Norte) recebe voos diários de diversas capitais. De lá, são apenas 17 km até o Engenho Tupinambá, um percurso que pode ser feito em meia hora de carro.
Assim que entrar na cidade, dobre à direita na CE-293, que dá acesso a Arajara. Há placas indicativas. Outra opção é o transporte intermunicipal ligando Juazeiro até Barbalha. A passagem custa R$ 2,70.
Visitação
O Engenho Tupinambá (Av. Lyrio Callou, S/N) está aberto à visitação de segunda a sexta-feira, de 8 às 18 horas. O acesso é gratuito. O ideal é agendar pelo telefone: (88) 99649.6463
Nas proximidades
Aproveite a viagem e conheça também o Centro Histórico de Barbalha, a cerca de 900 m do local. Numa caminhada a pé, vale a pena prestar atenção ao antigo casario com aspectos dos séculos XVIII e XIX, a exemplo do Solar Maria Olímpia. Nesse percurso, visite a Igreja Matriz de Santo Antônio, construída em 1888. Em frente ao templo, fica erguido o pau da bandeira.
Onde se hospedar
Em Barbalha, há algumas pousadas e hotéis, inclusive próximos ao sopé da Chapada do Araripe. Na cidade vizinha, Juazeiro do Norte, a variedade de acomodação e preços é ainda maior.
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Riacho do meio
Com diversas trilhas e balneários no sopé da Chapada do Araripe. Barbalha também se destaca no turismo ecológico. Dentro do território do Geopark Araripe, na CE- 060, o Geossítio Riacho do Meio, a 7,6 quilômetros do Centro da cidade, é local de preservação de fauna e flora originárias do Araripe. Se tiver sorte, pode até ver na mata o soldadinho-do-araripe, ave endêmica da região. Há um lugar conhecido como a Pedra do Morcego, que servia como refúgio para cangaceiros. Acredita-se que o mesmo local foi parada para Lampião e seus cangaceiros em 1926.
Festa de Santo Antônio
Em Barbalha, a tradição de transportar o mastro no ombro, a pé, acontece desde 1928, antecedendo os festejos do Dia de Santo Antônio (13 de junho). Reconhecida em 2015 como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Festa do Pau da Bandeira, no último domingo de maio, chega a receber cerca de 600 mil pessoas. Cerca de 200 carregadores participam do cortejo em homenagem ao "santo casamenteiro", que segue pelas ruas da cidade até ser erguido em frente à Igreja Matriz da cidade.
Reportagem de Por Antônio Rodrigues/Diário do Nordeste