Anvisa autoriza: Brasil vai testar vacina de Oxford contra covid
Teste de vacina de Oxford contra Covid-19 contará com 2 mil voluntários brasileiros |
Aplicação começa em junho no Brasil, agora considerado epicentro da
pandemia. Grupo já tinha relatado ao G1 um dilema: queda de casos no Reino
Unido poderia exigir mais tempo para obter eventual prova de que a fórmula
funciona.
Dois mil brasileiros participarão dos testes para vacina contra a
Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford. A estratégia faz parte
de um plano de desenvolvimento global, e o Brasil será o primeiro país
fora do Reino Unido a começar a testar a eficácia da imunização contra o
Sars-CoV-2.
Os testes serão conduzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em São
Paulo, os testes em mil voluntários serão conduzidos pelo Centro de
Referência para Imunológicos Especiais (Crie) da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), com financiamento da Fundação Lemann. No Rio de
Janeiro, os testes em outros mil voluntários serão feitos pela Rede D’Or
São Luiz, com custo de cerca de R$ 5 milhões bancados pela Rede e sob
coordenação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.
Dilema da prova de eficácia
Em entrevista exclusiva na quinta-feira (28), a cientista brasileira
Daniela Ferreira, que participa do projeto, já tinha adiantado ao G1 o
dilema da prova de eficácia: os responsáveis pela pesquisa em Oxford viam
com preocupação o impacto da diminuição da curva de casos no Reino Unido
na pesquisa (veja o vídeo abaixo). Já naquela época o grupo se organizava
para ampliar os testes em uma região com altas taxas de circulação do
Sars-Cov-2 para poder acelerar a comprovação da possível eficácia da
vacina.
"É uma situação um pouco bizarra, porque você quer que o coronavírus
desapareça, não quer que as infecções continuem", diz a chefe do
departamento de ciências clínicas da Escola de Medicina Tropical de
Liverpool. Para provar mais rapidamente se a fórmula é eficaz, é preciso
que os voluntários tenham contato com o vírus e, atualmente, o Brasil é
considerado o epicentro da pandemia.
"Um dos fatores limitantes de tudo isso é se a gente vai continuar a ter,
nos países em que as vacinas estão sendo testadas, um número de infecção
que permite que você teste essa vacina rapidamente", explicou Daniela
Ferreira.
Aprovado pela Anvisa
Para ser conduzido no Brasil, o procedimento foi aprovado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com o apoio do Ministério da
Saúde. Os voluntários serão pessoas na linha de frente do combate ao
coronavírus, com uma chance maior de exposição ao Sars-CoV-2. Eles também
não podem ter sido infectados em outra ocasião. Os resultados serão
importantes para conhecer a segurança da vacina.
Testes já começaram no Reino Unido
Com a previsão otimista de ficar pronta ainda em 2020, a vacina
desenvolvida pela Universidade de Oxford ofereceu proteção em um estudo
pequeno com seis macacos, resultado que levou ao início de testes em
humanos no final de abril.
Em humanos, os testes têm apenas 50% de chance de sucesso. Adrian Hill,
diretor do Jenner Institute de Oxford, que se associou à farmacêutica
AstraZeneca para desenvolver a vacina, disse que os resultados da fase
atual, envolvendo milhares de voluntários, podem não garantir que a
imunização seja eficaz e pede cautela.
A vacina já está sendo aplicada em 10 mil voluntários no Reino Unido. A
dificuldade para provar a possível eficácia está no fato de os cientistas
dependerem da continuidade da circulação do vírus entre a população para
que os voluntários sejam expostos ao coronavírus Sars-Cov-2.
Outras vacinas em andamento
Relatório publicado no site da Organização Mundial de Saúde (OMS) com
dados até esta terça-feira (2) mostra que estão em desenvolvimento pelo
menos 133 candidatas a vacina, sendo que dez delas estão na fase clínica,
ou seja, sendo testadas em humanos.
Embora os estudos avancem em todo o planeta, muitos especialistas
acreditam que a vacina não estará disponível em 2020. Projeções otimistas
falam num prazo de 12 a 18 meses, que já seria recorde. A vacina mais
rápida já criada, a da caxumba, levou pelo menos quatro anos para ficar
pronta.
Outra hipótese contra a qual todos os pesquisadores lutam é a de que uma
vacina efetiva e segura nunca seja encontrada. O vírus do HIV, que causa a
Aids, é conhecido há cerca de 30 anos, mas suas constantes mutações nunca
permitiram uma vacina.
"Está todo mundo muito otimista, mas estudo de vacina é algo muito complicado. A maioria deles para na fase 3, de testes clínicos, pelos problemas que aparecem. É importante discutir essa possibilidade [de não se ter uma vacina]", admite Álvaro Furtado Costa, médico infectologista do HC-FMUSP.
Gustavo Cabral, imunologista que lidera um estudo na USP e no Incor
concorda: “A vacina é o melhor caminho profilático [preventivo], mas não é
o único caminho, há também os tratamentos. Para o HIV não há vacina e as
pessoas que têm o vírus podem ter uma vida normal. Sabemos que
aproximadamente 80% das pessoas infectadas com o Sars-CoV-2 não
desenvolvem a Covid-19 ou têm sintomas leves. O problema são os outros 20%
e o risco de fatalidade, hoje de 6%. Mas há centenas de estudos sobre
medicamentos neste momento”, disse.
A busca pela vacina
Para chegar a uma vacina efetiva, os pesquisadores precisam percorrer
diversas etapas para testar segurança e resposta imune. Primeiro há uma
fase exploratória, com pesquisa e identificação de moléculas promissoras
(antígenos). O segundo momento é de fase pré-clínica, em que ocorre a
validação da vacina em organismos vivos, usando animais (ratos, por
exemplo). Só então é chegada à fase clínica, em humanos, em três fases de
testes:
- Fase 1: avaliação preliminar com poucos voluntários adultos monitorados de perto;
- Fase 2: testes em centenas de participantes que indicam informações sobre doses e horários que serão usados na fase 3. Pacientes são escolhidos de forma randomizada (aleatória) e são bem controlados;
- Fase 3: ensaio em larga escala (com milhares de indivíduos) que precisa fornecer uma avaliação definitiva da eficácia/segurança e prever eventos adversos; só então há um registro sanitário.
Depois disso, as agências reguladoras precisam aprovar o produto, liberar
a produção e distribuição. Das dez vacinas em testes em fase clínica,
algumas aparecem em estágio mais avançado, como a desenvolvida por Oxford,
em fase 3.
A vacina do Reino Unido é produzida a partir de um vírus (ChAdOx1), que é
uma versão enfraquecida de um adenovírus que causa resfriado em
chimpanzés. A esse imunizante foi adicionado material genético usado para
produzir a proteína Spike do SARS-Cov-2 (que ele usa para invadir as
células), induzindo a criação de anticorpos.
A empresa AstraZeneca já fechou com EUA e Reino Unido para cuidar da
produção em escala mundial. O CEO da farmacêutica disse à rede britânica
BBC, neste domingo (31), que a população pode ter acesso a 100 milhões de
doses da vacina já em setembro.
"De forma prática: é possível que uma vacina fique disponível em cerca de 18 meses por causa do investimento no mundo inteiro. O mundo parou. Mas eu diria que é impossível até setembro", opina o brasileiro Gustavo Cabral.
Álvaro Furtado Costa também recomenda cautela com anúncios muito
otimistas sobre vacinas. Ele acredita que não se pode desprezar, por
exemplo, que uma novidade nesse campo impulsiona as ações da empresa que a
anuncia.
“Quando se começa um estudo de vacina, a fase 1 tem resultados bem preliminares e rápidos, para começar a avaliar se é segura, se não tem grandes efeitos adversos, mas você testa pouca gente. Nas fases 2 e 3, você testa 10 mil, 20 mil pessoas – isso é mais demorado. Aí, você vê se realmente protege. O mundo testou vacinas de HIV que chegaram à fase 3, e ,aí, falharam. É preciso ter calma”, disse Costa.
As iniciativas brasileiras
Duas pesquisas feitas no Brasil aparecem na fase pré-clínica no relatório
da OMS.
Um dos projetos é liderado por cientistas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP) e pelo Laboratório de Imunologia do
Instituto do Coração (Incor). A pesquisa é financiada pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Pesquisador responsável pelo estudo, Gustavo Cabral é imunologista pela
USP e pós-doutor pela Universidade Oxford e na Universidade de Berna, na
Suíça. Seu grupo trabalha com plataforma de vacina baseada em partículas
semelhantes ao vírus (VLP, em inglês). Já há testes com animais.
"Quando um vírus entra nosso corpo, o sistema imunológico ataca. Não
queremos utilizar o vírus, queremos usar partículas semelhantes ao vírus.
Fizemos com chikungunya, Streptococcus e, agora, Covid-19", explicou o
pesquisador.
"Essas partículas são apenas uma base que estimula o sistema imunológico.
Nele, a gente coloca alguns pedaços do coronavírus, fragmentos proteicos
ou proteína inteira, dando estímulo ao sistema imunológico para produzir
anticorpo."
Gustavo Cabral, médico infectologista — Foto: Arquivo pessoal |
Também em fase pré-clínica está uma vacina pesquisada pelo Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCTV), que tem base técnica
elaborada pelo Grupo de Imunologia de Doenças Virais da Fundação Oswaldo
Cruz-MG.
"Nossa técnica consiste em usar o vírus da influenza como vetor vacinal.
Como se trata de um vírus defectivo para a multiplicação, ele não causa a
doença, mas gera produção de anticorpos. Com esse processo, uma das
possibilidades é desenvolver uma vacina bivalente, que possa ser usada
contra influenza e contra o coronavírus", explica o pesquisador Ricardo
Gazzinelli, líder do Grupo de Imunopatologia da Fiocruz Minas e
coordenador do INCTV.
Fonte: G1