Estudo aponta relação de 96,2% entre novo coronavírus e morcego-ferradura
A análise da equipe internacional destaca o morcego-ferradura como crucial para a evolução dos coronavírus - Foto: AFP |
Há forte suspeita de que os morcegos sejam os responsáveis pela transmissão
do coronavírus para os seres humanos
Uma equipe internacional de pesquisadores analisou a sequência genética de
781 coronavírus encontrados em morcegos na China. Segundo a revista Science,
mais de um terço deles nunca foram descritos na literatura médica. Embora
não consiga identificar com precisão a origem do Sars-CoV-2, o vírus que
causa a Covid-19, há forte suspeita de que os morcegos sejam os responsáveis
pela transmissão do coronavírus para os seres humanos - tanto no caso do
Sars-CoV-1, em 2002, quanto na pandemia de 2019/2020, com o Sars
CoV-2.
A análise destaca o gênero Rhinolophus, também conhecido como
morcego-ferradura, como crucial para a evolução dos coronavírus. Os
cientistas descobriram que um coronavírus encontrado no Rhinolophus era
96,2% idêntico à sequência do Sars-CoV-2. "O parente mais próximo já
encontrado", de acordo com a revista.
"Parece que, por pura má sorte filogeográfica, histórica e evolutiva, o
Rhinolophus acaba sendo o principal reservatório de coronavírus relacionados
à Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave)", diz Peter Daszak, um dos
autores do estudo, em entrevista à Science.
Dentre os 14 pesquisadores que assinam o estudo, está Shi Zheng-Li,
pesquisadora especialista em morcegos pelo Instituto de Virologia de Wuhan,
que recebeu muitas críticas do governo americano, após o presidente Donald
Trump sugerir que a pandemia tenha surgido no laboratório do
Instituto.
Entre 2010 e 2015, Shi, Daszak e seus parceiros capturaram centenas de
morcegos em várias províncias chinesas. Os pesquisadores analisaram saliva e
fezes para extrair o material genético desses animais. Isso permitiu que os
cientistas construíssem uma árvore genealógica de coronavírus de morcego e
examinassem qual gênero apresentava a maior diversidade de vírus.
A principal teoria para a origem do Sars-CoV-2 é que um vírus de morcego,
há muito tempo, pulou em outra espécie, onde então se transformou em uma
variante que mais tarde infectou seres humanos. O novo estudo, embora "muito
útil", não esclarece esse cenário, diz Edward Holmes, biólogo evolucionário
da Universidade de Sydney que estudou a genética dos coronavírus de morcego
e é coautor do artigo.
Daszak concorda que mais espécies animais precisam ser amostradas. Ele
aponta para evidências de coronavírus intimamente relacionados em pangolins
- oito sequências desses animais estão incluídas na análise. "Acho que a
história dos pangolins tem uma lição para nós: não fique preso em uma caixa
pensando que isso é tudo sobre morcegos", diz.
Segundo o pesquisador, há muitas evidências de que alguns desses vírus
estão se espalhando para os seres humanos o tempo todo no sul da China. Em
um artigo anterior, Daszak e colaboradores encontraram anticorpos
relacionados ao Sars em cerca de 3% das pessoas da amostra que vivem perto
de cavernas de morcegos, sugerindo que haviam sido infectados por alguns
desses vírus.
Ele argumenta que o mundo precisa mudar sua abordagem e deixar de reagir a
pandemias para tentar identificar perigosos coronavírus antes que eles
surjam.
Cancelamento da verba pelo NIH
O grupo de pesquisadores teve a verba cortada pelo Instituto Nacional de
Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês). Em seguida, a EcoHealth
Alliance, organização sem fins lucrativos administrada por Daszk, recebeu
milhões de dólares de doações e, assim, a pesquisa seguiu.
O corte foi feito no dia 24 de abril, quando o Instituto informou que
estava encerrando a concessão de recursos para os estudos de Daszk e Shi,
justificando que "a pesquisa não estava mais alinhada com as prioridades da
agência". O grupo de cientistas tinha renovado o contrato com o NIH em
2019.
Trinta e duas sociedades científicas dos EUA assinaram uma carta de
protesto em 20 de maio e 77 ganhadores do Nobel enviaram outra carta ao
Departamento de Saúde e Serviços Humanos americano. Os Nobelistas disseram
que o cancelamento parecia basear-se na política, e não na consideração do
mérito científico.
Escrito por Estadão Conteudo/Diário do Nordeste