Nova data das eleições municipais será decidida em junho
Luís Roberto Barroso fala à Agência Brasil sobre o próximo pleito |
Na última quinta-feira, a Lei Complementar nº 135, mais conhecida como
Lei da Ficha Limpa, completou 10 anos. A legislação é considerada um
avanço na elaboração, por mobilização popular, e em seu conteúdo.
Ela impede a candidatura e até retira mandatos de pessoas condenadas por
decisão transitada em julgado ou por órgãos colegiados da Justiça, seja
por prática de crimes comuns, contra o erário público e até em disputas
eleitorais.
A lei mudou a história do Brasil. “Ela simboliza a superação de um tempo
em que era socialmente aceita a apropriação privada do Estado e,
sobretudo, a naturalização do desvio do dinheiro público”, avalia o
ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) e também um dos onze ministros Supremo Tribunal Federal (STF).
Barroso estará à frente das eleições municipais de 2020, que deverão ter
a data remarcada por decisão do Congresso Nacional por causa da pandemia
de covid-19. A seguir a entrevista do ministro concedida à Agência
Brasil.
Agência Brasil - Que balanço o senhor faz da Lei da Ficha Limpa?
Luís Roberto Barroso – Acho que foi uma lei extremamente importante para
a vida política brasileira por muitas razões. Primeiro ponto que merece
ser destacado é que ela foi resultado de um projeto de lei de iniciativa
popular que contou com mais de 1,5 milhão de assinaturas. Houve
mobilização da sociedade para que fosse editada uma lei, prevista na
Constituição, cujo propósito era proteger a probidade administrativa e a
moralidade para exercício do mandato - considerando a vida pregressa dos
candidatos. Basicamente, a lei tem um conteúdo: ela torna inelegível, ou
seja, não podem se candidatar para cargo eletivo, por oito anos, aquelas
pessoas que tenham sido condenadas por crimes graves que a lei enumera, os
que tenham tido as contas rejeitadas, ou que tenham sido condenadas por
abuso de poder político e poder econômico, sempre por órgão colegiado –
portanto, sempre com direito a pelo menos um recurso. Foi um esforço da
sociedade brasileira, chancelado pelo Poder Legislativo e sancionado pelo
presidente da República, para atender uma imensa demanda por integridade
na vida pública. Esta lei, inserida em um contexto maior, de reação da
sociedade brasileira contra práticas inaceitáveis, é um marco relevante na
vida pública brasileira. Ela simboliza a superação de um tempo em que era
socialmente aceita a apropriação privada do Estado e, sobretudo, a
naturalização do desvio do dinheiro público.
Agência Brasil – O senhor sabe quantas candidaturas foram
impedidas e quantos políticos diplomados ou já em exercício no cargo
perderam mandato por serem fichas sujas?
Barroso – Eu não teria esse dado e menos ainda de cabeça, até
porque boa parte dos registros de candidatura não são feitos no Tribunal
Superior Eleitoral, mas sim nos tribunais regionais eleitorais. Eu posso
assegurar que foram muitas centenas, se não alguns milhares. Temos duas
situações. Temos os casos das candidaturas que não são registradas, assim
se impede que alguém que não tinha bons antecedentes para fins eleitorais
sequer fosse candidato. Nesse caso, há muitos milhares. E temos muitas
centenas de decisões de candidatos que chegaram a participar de eleições,
muitos concorreram com liminar obtida na Justiça e depois foram julgados
inidôneos e tiveram o registro cassado. Um caso emblemático, decidido pelo
TSE, diz respeito a novas eleições [para governador] no estado do
Amazonas, em que houve a cassação da chapa e a realização de novas
eleições.
Agência Brasil – Como o senhor enxerga algumas manobras para fugir da
Lei da Ficha Limpa? Por exemplo, com lançamento de candidaturas
laranjas?
Barroso – A questão de candidaturas laranjas não se coloca
propriamente em relação à Lei da Ficha Limpa. Ela tem se colocado, e há
muitas decisões do TSE nessa linha, em relação à obrigatoriedade de 30% de
candidaturas femininas. Há muitas situações em que nomes de mulheres são
incluídas na chapa, mas não para disputar verdadeiramente, apenas para
cumprir tabela ou para inglês ver, e essas próprias mulheres terminam
fazendo campanha para outros candidatos, inclusive repassando as verbas do
fundo eleitoral e partidário a que teriam direito. O Tribunal Superior
Eleitoral tem reagido com veemência a essa prática, manifestada em
mulheres que têm votos irrisórios ou zero votos nas suas campanhas -
muitas delas tendo recebido verbas para fazer a sua própria campanha. Nós
recentemente, num caso equivalente no Piauí, entendemos que se a chapa
tiver candidaturas laranjas se derruba toda a chapa. Se derruba a chapa
inteira. Foi uma reação contundente do TSE para essa prática, que eu
espero tenha desestimulado de vez, porque as consequências são
graves.
Agência Brasil – No dia que a Lei da Ficha Limpa completou dez
anos, a Agência Brasil trouxe percepção de entidades da sociedade civil
sobre a legislação. Todas as organizações avaliam positivamente, mas
apontam problemas no funcionamento do sistema político que não são
tratados na lei. Uma das coisas assinaladas é a possibilidade de que
pessoas com ficha suja, eventualmente até ex-presidiários, estejam à
frente de partidos políticos, inclusive, decidindo sobre o uso dos
recursos dos fundos eleitorais e partidários. Tem alguma coisa que a
Justiça Eleitoral possa fazer contra isso?
Barroso – Eu gosto de dizer que o combate à corrupção tem alguns
obstáculos. Um deles são os corruptos propriamente ditos. Temos os que não
querem ser punidos e os que não querem ficar honestos nem daqui para
frente. Tem gente que precisaria reaprender a viver sem ser com o dinheiro
dos outros, inclusive gente que já cumpriu pena. Isso tem mais a ver com o
estado civilizatório do país do que com a Lei da Ficha Limpa. Os partidos
políticos são pessoas jurídicas de direito privado. Pela Constituição,
eles têm autonomia. A Justiça Eleitoral não tem muita ingerência sobre a
escolha dos órgãos diretivos dos partidos. Alguns partidos acabam sendo
empreendimentos privados para receber verbas do fundo partidário e
negociarem tempo de televisão. Eu acho que reformas recentes no Congresso,
como a aprovação da cláusula de barreira, e a proibição de coligações em
eleições proporcionais, vão produzir uma certa depuração do quadro
partidário para que sobrevivam os que tem maior autenticidade programática
e verdadeira representatividade. Objetivamente, o que a Justiça Eleitoral
pode fazer é cassar os direitos políticos por oito anos, tornando as
pessoas condenadas inelegíveis. Mas ela não tem ingerência direta sobre a
economia interna dos partidos para impedir a escolha de determinados
dirigentes, que melhor fariam se deixassem os espaços da vida pública para
uma nova geração mais íntegra, idealista e patriótica. O TSE tem apoiado
junto ao Congresso um projeto de lei que já foi aprovado no Senado pela
implantação do sistema distrital misto, que é um sistema que barateia as
eleições e aumenta a representatividade do parlamento. Nós consideramos
que boa parte das coisas erradas que aconteceram no Brasil está associada
ao modelo de financiamento eleitoral e ao custo das campanhas eleitorais.
Nos achamos que um sistema eleitoral que barateia o custo e aumenta a
representatividade do Parlamento nos ajudará a superar essas disfunções
associadas ao financiamento eleitoral e a muitas coisas erradas que vem
por trás dele.
Ministro Luís Roberto Barroso disse que a Lei da Ficha Limpa mudou a história do Brasil - Roberto Jayme/ASCOM/TSE |
Agência Brasil – O senhor vai comandar as eleições municipais. Já
tem uma data pacificada entre a Justiça Eleitoral e o Congresso para a
realização do pleito?
Barroso – A possibilidade de adiamento das eleições é real. Eu
penso que ao longo do mês de junho a Justiça Eleitoral e o Congresso
Nacional, numa interlocução construtiva, deverão bater o martelo acerca de
novas datas se sepultarmos que isso seja indispensável, embora seja
propósito dos ministros do TSE e dos presidentes da Câmara e do Senado não
remarcar para nenhuma data além deste ano.
Agência Brasil - O que o senhor acha das candidaturas para
mandatos coletivos?
Barroso – Essa possibilidade não existe. O que nós temos, hoje
ainda na Câmara [dos Deputados], parlamentares que foram eleitos por
partidos políticos, porque é obrigatória a filiação partidária, mas que
têm por trás de si algum movimento, um conjunto de ideias comuns. É o
caso, por exemplo, do Movimento Acredito que elegeu parlamentares em
diferentes partidos. Esses parlamentares se elegem por algum partido e
exercem o mandato em nome próprio, não é um mandato coletivo, mas eles
pertencem a um movimento. Uma questão que ainda vai ser decidida pelo
Tribunal Superior Eleitoral que é a seguinte: alguns desses movimentos
firmam com os partidos uma espécie de carta compromisso em que o partido
se compromete a aceitar esses vínculos que o candidato tenha com esse
determinado movimento. O que aconteceu foi que na reforma da Previdência
alguns parlamentares fiéis ao que consideravam ser a posição do seu
movimento não seguram a posição do seu partido e aí há na Justiça
Eleitoral uma discussão importante sobre fidelidade partidária e a
legitimidade de alguma de sanção aplicada a esses parlamentares. Ficou uma
discussão se essa carta compromisso do movimento político com o partido
vale sobre as orientações partidárias. Eu nesse momento não posso opinar
sobre essa questão porque ela está sub judice no TSE.
Agência Brasil – Isso deve ir a julgamento quando?
Barroso – Isso é difícil de eu responder porque depende de
relator. Mas a Justiça Eleitoral é relativamente ágil, de modo que se não
for decidir neste final de semestre, deverá ser no início do
próximo.
Agência Brasil – Propaganda ilegal, fake news, abuso de
poder econômico e outras ilicitudes poderão anular candidaturas e chapas
no pleito que ocorrerá este ano?
Barroso – Antes de responder, que fique claro que estamos
falando sobre eleições municipais futuras. Abuso de poder econômico e
abuso de poder político invalidaram muitas chapas e há diversos
precedentes. As fake news foram um fenômeno das últimas eleições. O mundo
inteiro está estudando maneiras de enfrentar esse problema. As eleições
americanas tiveram esse problema. O plebiscito sobre Brexit teve esse
problema. As eleições na Índia enfrentaram esse problema. De modo que as
fake news estão sendo objeto de equacionamento pela legislação e pelo
Poder Judiciário de diferentes países.
Por Gilberto Costa – Repórter da Agência Brasil - Brasília
Edição: Fábio Massalli