Após superar desafios, mecânico cratense cria carrinhos de brinquedo com objetos recicláveis
Legenda: Todos os brinquedos são criados com peças recicláveis - Foto: Antonio Rodrigues |
O artesão Antônio Alexandre de Lima não se deixou abater pelos infortúnios
da vida e escreveu uma nota página, criando peças que detalham a mecânica de
tratores e caminhões.
Seu sonho é expor o acervo
Em uma casa de taipa, escondida no quintal de outra residência, no bairro
Batateira, em Crato, mora o operador e mecânico de motosserra Antônio
Alexandre de Lima, de 56 anos. De infância difícil, quando pequeno, começou
a fabricar seus próprios brinquedos, como carrinhos de latas de sardinha. O
gosto pelo trabalho artesanal o acompanhou até a vida adulta e, hoje,
recicla materiais para fabricar caminhões e tratores com sua mecânica bem
detalhada.
Trator e caminhão, por exemplo, nasceram de peças que iriam para o lixo.
Metalon, corrente de moto, alguns parafusos, rolamento, uma peça de cadeira
de balanço, o cano de uma antena de TV à cabo, outra peça de uma cadeira de
rodas, resto de fogão, pedaço de portão, folha de zinco e garfo de
bicicleta, juntos, foram transformados em brinquedos.
“Vou reciclando tudo e corto na mão com facão ou serra. Como não tenho solda, uso pedaço de pau para pregar”, detalha Antônio.
Legenda: O trabalho é feito em casa, no bairro Batateira, em Crato - Foto: Antonio Rodrigues |
Cada peça traz detalhes como a as pás do trator e a carregadeira do
caminhão, que colhem e despejam areia com facilidade. Após concluir com
todos os detalhes, o mecânico pinta para dar um resultado melhor aos, agora,
brinquedos, que levam aproximadamente uma semana para ficar
prontos.
“Eu observava os caminhões nas oficinas e fui reproduzindo”, lembra.
O interesse pelos veículos de brinquedo retomou com o filho de sua cunhada,
Ana Amélia, no qual é muito apegado. “Eu disse: ‘Não vai comprar brinquedo
não. Nós mesmos vamos fazer’”, narra o mecânico. E assim, o pequeno Iarley,
que considera um filho, se tornou um grande motivador.
Cratense, Antônio se mudou para o Pará na adolescência, onde foi auxiliar
de cozinha e cozinheiro. Depois mudou de atividade e logo aprendeu a
manusear a motosserra. Com ele ganhava 20 cruzeiros a diária, enquanto os
outros trabalhadores recebiam entre 30 e 35 cruzeiros. “Quando virei
profissional, as coisas foram melhorando”, rememora.
Legenda: O interesse pelos veículos de brinquedo cresceu com o filho de sua cunhada, Ana Amélia, no qual é muito apegado e considera como filho - Foto: Antonio Rodrigues |
O trabalho foi interrompido há 30 anos, quando ele foi atingido por uma
bala perdida durante um tiroteio em uma festa. O projétil acertou sua pena e
até hoje está encravada em seu corpo. “Fiquei muito tempo de muletas. Aí
voltei pro Crato”, conta.
Na sua cidade natal, se casou com Maria Aparecida da Rocha e voltou a
trabalhar como operador de motosserra. “Comprei uma para mim, cadastrei no
Ibama, tudo direitinho. Passei a fazer bicos. Nunca arrumei serviço de
carteira assinada aqui”, lamenta.
Resiliência
Em Crato, iniciou uma produção de cadeira e mesas projetadas, mas o serviço
foi interrompido, mais uma vez, há dois anos, quando sofreu um acidente de
trabalho enquanto cortava um tronco. A madeira atingiu sua coxa e causou uma
fratura no fêmur. “Eu gritava que faltava perder a garganta”, lembra. O
mecânico foi socorrido, mas não chegou a ser operado. Retornou para casa,
mesmo com forte dores. “Bati ressonância, cintilografia, radiografia, mas
não resolveu nada”, denuncia.
Legenda: As peças trazem detalhes que impressionam - Foto: Antonio Rodrigo |
Sua esposa, a dona de casa Maria Aparecida, conta que na época tentou
vários hospitais, mas ninguém poderia operá-lo. Hoje, garante que o mecânico
sofre com osteomielite e que aguarda uma cirurgia. “Só melhora se ele fazer
este tratamento. De vez em quando dá uma recaída”. Com muita luta, conseguiu
se cadastrar no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que se tornou a
principal renda da família.
Orgulhosa da resiliência do marido, Aparecida torce para que ele consiga
comercializar seus brinquedos. “Queria muito que ele pudesse vender”,
admite. Há alguns anos, já apareceu pessoas interessadas, mas não
retornaram. Outro amigo trocou alguns dos brinquedos em um dois tablets e um
celular.
“O povo não se interessa muito. Pouca criança brinca com brinquedo. Aqui é muito difícil brincar com essas coisas hoje em dia”, lamenta o mecânico.
Legenda: O sonho do artesão é expor as peças em feiras, como a Expocrato - Foto: Antonio Rodrigues |
Seu sonho é um dia poder expor as peças que fabricou e, neste ano,
planejava participar da Exposição Centro Nordestina de Animais e Produtos
Derivados, a popular Expocrato, mas a pandemia da Covid-19 adiou seus
objetivos. “A gente mora num lugar que ninguém valoriza a pessoa. Eu queria
mostrar para reconhecerem o meu trabalho”, torce Antônio.
Oficina do artesão:
Rua do Posto, 282, bairro Gizélia Pinheiro (Batateira)
Contato: (88) 98846-3015
Escrito por Antonio Rodrigues/Diário do Nordeste