Empréstimo consignado no Auxílio Brasil deve ter 2 anos de prazo e juro livre
(Imagem: No Detalhe) |
Beneficiário poderá comprometer até 40% do valor recebido por mês; especialistas apontam riscos
O governo pretende regulamentar o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil no próximo mês, em iniciativa que faz parte do “pacote de bondades” lançado a poucos meses da eleição. Segundo apurou o Valor, o prazo máximo será de dois anos e a regra não deve prever inicialmente um limite máximo de juros.
A medida já foi aprovada no Congresso, mas precisa de regulamentação para ser operacionalizada. Além dos ajustes finais na lei, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) precisa adaptar os sistemas até o início do próximo mês.
Cada beneficiário poderá comprometer até 40% do valor recebido por mês, que será de R$ 600 ao menos até dezembro, com parcelas de no máximo R$ 240. O crédito consignado é uma modalidade em que a parcela é descontada diretamente do benefício ou salário do tomador e tem regras específicas.
O prazo de 24 meses considera o período que uma pessoa pode receber o auxílio depois de se tornar inelegível, como quando começa a trabalhar com carteira assinada. Ainda assim, a avaliação é que, apesar de ser uma linha com garantia, há grande rotatividade dentro do cadastro único de beneficiários do programa e, por isso, os juros cobrados devem ser maiores do que os praticados entre aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo.
Pelo menos uma vez ao ano o governo cruza suas bases de dados e muitos perdem o direito imediatamente, o que aumenta o risco da operação e exige que os bancos cobrem taxas maiores. Além disso, grande parte da população não é familiarizada com produtos financeiros e não tem histórico bancário, o que dificulta a análise de crédito.
“É um público que não só tem histórico de inadimplência alta, como tem pouca experiência em serviços bancários. Com pouco acesso a crédito, muitos recorrem a familiares ou agiotas. O cronograma é arriscado, feito às pressas. As pessoas vão se endividar em cima de um benefício temporariamente mais alto, mas que vai cair em termos nominais. Além disso, estamos em ambiente de juros e inflação elevados”, diz Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social.
Cálculos preliminares apresentados ao governo apontam que uma operação com esse grau de risco exigiria uma taxa média de 5% ao mês. Diante disso, a expectativa é que a adesão dos bancos do país seja mais lenta em relação a outros programas incentivados pelo governo, como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), e que, assim, instituições menores e financeiras larguem na frente.
A economista Julia Braga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz ser favorável à proposta, desde que a regulamentação seja bem feita. Para ela, os riscos de superendividamento e rotatividade do cadastro único podem ser mitigados.
“Esse público está suscetível a pegar crédito de forma informal, com linhas mais caras”, avalia a professora. “Agora, há uma forma de garantir o acesso ao crédito formal, com menor risco”, complementa.
Segundo relatos, não é consenso no setor sobre a oferta do consignado para beneficiários do Auxílio Brasil - por um lado, existe um dilema moral em emprestar para uma população tão vulnerável a juros mais elevados e, por outro, há um entendimento de que existe uma demanda de crédito, já que muitos se endividam de outras formas. Algumas instituições financeiras ainda esperam a regulamentação para decidir, outras, já optaram por não oferecer a linha.
Isabela Tavares, economista da consultoria Tendências, aponta que essa apreensão inicial dos bancos pode demonstrar que a modalidade vinculada ao benefício social pode elevar o endividamento das famílias.
Para a economista, o Auxílio Brasil é voltado para demandas emergenciais dos mais vulneráveis, como alimentação, transporte e habitação. Além disso, ela pondera que é preciso levar em conta o cenário inflacionário, que tem reduzido o poder de compra dos mais pobres.
“Ter um crédito consignado atrelado a essa fonte pode ser problemático, principalmente porque essas famílias podem já estar com uma parte da renda comprometida com outras dívidas”, destaca Tavares.
A reportagem entrou em contato com os cinco maiores bancos do país. O Itaú afirmou que não oferece o consignado para esse grupo, “e não tem perspectiva de vir a oferecer”. O Bradesco disse estar avaliando, “mas a princípio não deve operar a linha”. O banco Santander afirmou apenas que não possui crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil.
A Caixa Econômica Federal informou que “aguarda regulamentação a ser publicada pelo Ministério da Cidadania sobre as condições e requisitos do empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil” e, na mesma direção, o Banco do Brasil respondeu que “analisa a possibilidade de operar a linha que ainda depende da regulamentação das condições negociais”.
Procurado, o Ministério da Cidadania não se manifestou até o fechamento desta edição.
Por Larissa Garcia, Edna Simão e Guilherme Pimenta/Valor Econômico/O Globo — De Brasília