Empresas somam R$ 301 bi em dividendos, mais da metade só da Petrobras; veja as melhores pagadoras de 2022
(Photo by Mauro PIMENTEL / AFP) Mauro Pimentel/AFP |
Expectativa é de que proventos batam recorde até o fim do ano; sem a estatal, no entanto, volume não alcançaria o de 2021
Distribuições polpudas de proventos marcaram a Bolsa brasileira em 2022. As empresas listadas na B3 anunciaram um total de R$ 301,2 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio (JCP) aos acionistas entre janeiro e setembro deste ano. O valor já representa mais de 96% dos R$ 313,014 bilhões distribuídos durante 2021 inteiro, até dezembro, segundo levantamento da plataforma TradeMap para o InfoMoney.
O levantamento considerou 315 companhias listadas na Bolsa que tivessem informações disponíveis sobre a remuneração aos acionistas em todos os anos entre 2017 e 2021, além dos nove primeiros meses de 2022. O valor corresponde aos proventos já desembolsados — ou seja, já retirados do caixa da empresa, embora possa ainda não ter caído na conta do investidor.
Considerando que os dividendos distribuídos no último trimestre não foram contabilizados, o número fechado de 2022 deve marcar um novo recorde, se observadas as distribuições desde 2017. Afinal, só os últimos proventos anunciados pela Petrobras, de R$ 43,7 bilhões, ainda não incluídos na conta, seriam suficientes para bater com folga os números dos anos anteriores, segundo Einar Rivero, head comercial do TradeMap e autor do levantamento.
Confira o volume de dividendos e JCPs distribuídos pelas empresas listadas na B3:
* Entre janeiro e setembro. Fonte: TradeMap
A notícia é boa, mas também é ruim: somando R$ 173,415 bilhões em proventos, a Petrobras (PETR4) foi responsável por mais da metade dos dividendos distribuídos pelas empresas brasileiras. Excluindo a petroleira, as 314 companhias restantes no levantamento teriam distribuído R$ 127,822 bilhões. O valor corresponde a 53,2% dos R$ 240,296 bilhões distribuídos em 2021, também desconsiderando a Petrobras.
“Isso nos leva a entender que teremos um volume de dividendos e JCP menor das empresas da Bolsa se comparado com 2021. Teria sido necessário que as companhias tivessem distribuído até setembro pelo menos 75% para superar o total do ano passado”, destaca Rivero. Segundo ele, boa parte das companhias da Bolsa concentra as distribuições de dividendos em maio e, por isso,as distribuições até dezembro não devem ser significativas.
O que aconteceu em 2022?
O que levou as empresas brasileiras, desconsiderando a Petrobras, a reduzir o volume distribuído de dividendos em relação a 2021?
Segundo Fábio Sobreira, analista CNPI-P da Ivest Consultoria de Investimentos, um dos motivos foi a queda dos dividendos das produtoras de commodities, como as mineradoras e siderúrgicas, como Vale, Usiminas, CSN, Gerdau e as produtoras de papel e celulose Klabin e Suzano. “Elas tiveram o seu pico de preços em maio de 2021 e neste ano distribuíram apenas um resquício dos dividendos vistos lá atrás. Se olhar os balanços, o lucro delas foi muito menor este ano”, destaca.
Sobreira afirma que só o setor de materiais básicos teve uma queda no lucro de 13% em comparação com 2021, o que derrubou também os dividendos. Quedas também foram perceptíveis em empresas de consumo cíclico como varejo e até mesmo em utilities, como empresas de energia e saneamento, com um tombo de 10% em 2022, de acordo com o analista.
Para Niels Tahara, head de análise fundamentalista da Benndorf Research, uma parcela da culpa recai sobre a Vale (VALE3), por conta da queda dos preços do minério de ferro. “A Vale representa 20% do Ibovespa, uma boa parte dessa queda pode ser explicada pelos piores resultados apresentados pela mineradora”, justifica. Depois de ter distribuído R$ 73,287 bilhões em 2021, a mineradora anunciou R$ 34,143 bilhões até setembro de 2022.
Flávio Conde, analista da Levante, cita outros dois fatores. Um deles foi a taxa Selic, que era menor em 2021 e disparou para os atuais 13,75% ao ano. Juros maiores se traduzem em despesas financeiras elevadas para as companhias, machucando o lucro e reduzindo os dividendos. Por outro lado, o preço de algumas mercadorias também aumentou, o que diminuiu o lucro bruto operacional, destaca Conde. Ele chama atenção ainda para a queda de dividendos no setor de telecomunicações, que teve aumento do endividamento e das despesas financeiras.
Luan Alves, head de equity da VG Research, também cita a redução de dividendos em alguns “bancões” como Santander e Bradesco. O Santander tinha distribuído R$ 9,996 bilhões em dividendos em 2021 e entregou apenas R$ 5,844 bilhões neste ano, até setembro. Já o Bradesco, que distribuiu R$ 9,914 bilhões no ano passado, registrava R$ 3,153 bilhões neste ano. “Esses bancos tiveram seus resultados prejudicados por conta da alta inadimplência no crédito varejista, mais expostos ao cliente pessoa física”, avalia.
As 20 maiores pagadoras de dividendos da Bolsa em 2022
Dentre as empresas que mais pagaram dividendos em 2022, os setores predominantes são petróleo, agronegócio, energia elétrica, bancos, mineração, siderurgia e alguns segmentos industriais.
O levantamento, também da plataforma Trademap, listou as 20 empresas que apresentaram maior dividend yield (taxa de retorno com dividendos) em 2022. Foram consideradas as que possuem volume financeiro médio diário de negociação superior a R$ 5 milhões na B3.
O cálculo considerou dividendos e JCP informados pelas empresas à B3 entre janeiro e 15 de dezembro, versus os preços de fechamento das ações em 31 de dezembro de 2021. Também optou-se por eleger uma só ação para representar cada companhia, no caso das que possuem tanto papéis ordinários (ON) quanto preferenciais (PN) listados. Foi escolhida a ação mais líquida nos últimos 30 dias.
Confira a lista completa abaixo:
Fonte: TradeMap
O que esperar para os dividendos em 2023?
Para 2023, os analistas consultados pelo InfoMoney têm algumas certezas. A primeira: a Petrobras deve perder o posto de maior pagadora de dividendos da Bolsa. A companhia também chegou a ser a maior pagadora de dividendos do mundo no segundo trimestre e ocupou a terceira posição entre as maiores no terceiro trimestre, segundo ranking global da gestora Janus Henderson.
A companhia pagou R$ 16,74 por ação de janeiro a setembro, o que representou um dividend yield de 58,84%. Segundo Conde, da Levante, a razão foi o lucro “excepcional”, puxado pela alta nos preços do petróleo e a baixa necessidade de investimento da companhia – que focou no pré-sal e desinvestiu ativos que não faziam parte da sua estratégia de negócios. “O endividamento da Petrobras despencou para algo próximo a 0,80 vezes o Ebitda [lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização] e teve a capacidade de distribuir 100% do lucro”, diz.
Para Conde, no entanto, a Petrobras não deve repetir essa história. O novo governo já sinalizou que os dividendos provavelmente serão limitados ao mínimo obrigatório de 25% do lucro, segundo o analista. “O governo já falou que vai investir em refinarias, energia renovável, reduzir o preço da gasolina e do diesel. Para quem ainda tem Petrobras, não adianta querer dividendos”.
Segundo o analista, a queda na cotação da empresa – de cerca a R$ 37 até R$ 22 – já incorporou uma parte do cenário ruim para a petrolífera, mas pode piorar. Apesar disso, Conde projeta que a Petrobras distribua dividendos de R$ 2,69 por ação em 2023, considerando payout (parcela do lucro destinada a proventos) de 25% e lucro de R$ 138 bilhões. O dividend yield chegaria a 12,3%.
Fora o efeito Petrobras, o cenário de juros ainda elevados e Produto Interno Bruto (PIB) crescendo lentamente deve levar a distribuição de dividendos pelas empresas (sem Petrobras e Vale) em 2023 a, no máximo, igualar 2022. Pelas mesmas razões, Tahara, da Benndorf Research, acredita que o volume vai diminuir.
Para Alves, da VG Research, os dividendos previstos para 2023 serão em volume semelhante aos deste ano. “Alguns casos como Petrobras e algumas empresas de commodities devem distribuir menos, o que será parcialmente compensado pelas maiores distribuições do setor financeiro, empresas da economia doméstica e seguros”, afirma. Os grandes destaques devem ser os setores de seguros, energia eléctrica, bancos e empresas de mineração e siderurgia.
As expectativas da Levante são de que a Vale será o destaque de 2023, com dividend yield de 9,1% e proventos por ação de R$ 8,60. Para Tahara, o setor de energia deve continuar no topo, por conta dos diversos projetos de investimentos feitos pelas companhias elétricas. As seguradoras também devem se beneficiar pelos juros elevados, destaca Tahara.
Taesa (TAEE11): o “título público” da Bolsa
A transmissora de energia Taesa figurou entre as dez maiores pagadoras de dividendos da Bolsa em 2022, registrando até setembro um dividend yield de 13,35%. E para 2023, também integra a lista de favoritas de alguns analistas.
Faz parte da carteira de dividendos da VG Research, que espera que a companhia entregue um dividend yield de 10% no próximo ano. Alves define a companhia como uma espécie de “título público” da Bolsa, por ter um modelo de negócios resiliente e ainda com baixo risco. “Os contratos das linhas de transmissão são de longo prazo, entre 20 e 30 anos, e reajustados pela inflação anualmente”.
“Consideramos a Taesa é um negócio sem risco. Se a demanda de energia subir ou cair, ela continua recebendo por transmitir”, destaca Alves. Para ele, a companhia deve capturar boas oportunidades de crescimento nos próximos leilões de transmissão. Ele aponta que o mercado considerava que a Taesa estava cara quando negociava perto dos R$ 45, mas atualmente as ações estão cotadas perto dos R$ 33.
Sobreira, da Ivest, é outro que gosta da Taesa e tem ela como uma das ações preferidas para 2023. A projeção de dividendos do analista é de 13%. “A companhia vem crescendo os seus lucros em 20% anualmente. O único risco seria alguma mudança regulatória, o que não deve acontecer em 2023”, destaca.
Copel (CPLE6): seguindo os caminhos da Eletrobras
A Copel foi a terceira maior pagadora de dividendos da Bolsa em 2022, com um dividend yield de 15,68% até setembro, e promete se manter na lista das queridinhas em 2023.
Alves, da VG Research, projeta dividendos de 8,3% no próximo ano. Ele destaca que a Copel é uma empresa híbrida – que atua na geração, transmissão e distribuição de energia no estado de Paraná.
“É um negócio relativamente perene que tem crescido acima do PIB”, aponta. Segundo Alves, o Paraná é um estado com baixo índice de inadimplência e furtos. Além disso, a Copel tem feito diversos investimentos, segundo Alves, como em energia renovável, para se proteger durante períodos de crise hídrica, além de contar com geração térmica.
Os dividendos podem superar as expectativas se a empresa vender ativos, como sua operação de distribuição de gás, uma prática que tem sido considerada recentemente. “Ela também tem uma usina hídrica com uma empresa privada, da qual poderia vender uma participação caso não seja privatizada”, avalia.
Para Conde, da Levante, a possível privatização da companhia, no modelo adotado na Eletrobras, é outra notícia importante para a Copel. “O dividendo deve continuar elevado em 2023 e 2024. Se a companhia for privatizada, vai reduzir custos e despesas, aumentar o lucro e pagar mais dividendos”, destaca.
Não seria o único benefício, na visão de Conde. O analista acredita que caso a privatização aconteça, a ação pode valorizar entre 50% e 70%. Ele projeta dividendos de R$ 0,69 por ação em 2023, equivalente a um dividend yield de 9%.
Banco do Brasil (BBAS3) e BB Seguridade (BBSE3): sobrevivendo em águas turbulentas
Dentre as estatais, os analistas ainda depositam suas fichas no Banco do Brasil e na BB Seguridade. “Se o investidor quer correr o risco de ter estatal na carteira, que seja com Banco do Brasil”, destaca Conde, da Levante.
Ele acredita que mesmo no governo Lula o dividendo do banco estatal deve continuar elevado, e que o mercado já precificou um cenário muito ruim para a ação, que pode não ocorrer. “O governo já tem o BNDES se precisar de empréstimo para pequenas e médias empresas, já tem a Caixa Econômica, se quiser turbinar o Minha Casa Minha Vida. Se ele tem esses bancos para fazer o que quiser, para que vai mexer no Banco do Brasil?” avalia.
Conde compara com a Petrobras, que não tem outro par do segmento entre as empresas estatais, e por isso acaba sofrendo todo o impacto da interferência política. “No seu pior momento, no governo Dilma, o Banco do Brasil chegou a ser negociado a 60% do seu valor patrimonial. Atualmente, está negociando assim de novo”.
Niels Tahara, da Benndorf, acredita que o Banco do Brasil pode oferecer um dividend yield de 14% em 2023, considerando os preços atuais, e ainda permanecer entre os melhores pagadores de dividendos no próximo ano. “O risco de interferência política é alto, mas entendemos que o banco está em um bom ponto de partida, com um balanço sólido”, afirma.
Já em relação a BB Seguridade, braço de seguros do Banco do Brasil, Tahara destaca que é a ação preferida da Benndorf, com expectativa de dividendos de 10% em 2023. “Esperamos que a taxa de juros média em 2023 seja maior do que a de 2022, o que vai continuar impulsionando os resultados financeiros da companhia”, destaca.
Tahara reforça que o desempenho operacional também continua evoluindo, beneficiado pela queda da sinistralidade nos seguros da empresa. Além da exposição aos canais do Banco do Brasil para ofertar seus produtos, Tahara destaca que a BB Seguridade vem expandindo parcerias, com 45 fechadas nos últimos 12 meses, o que reduz a dependência do BB.
“O perfil mais defensivo da empresa é muito interessante ante um cenário econômico e político que ainda é bastante incerto para 2023”, completa. Para ele, o risco de interferência do governo na BB Seguridade é muito baixo, dado que este se concentra em políticas de crédito atreladas ao Banco do Brasil, e não em seguros.
E a tributação dos dividendos?
Os analistas têm uma visão unânime em relação à tributação de dividendos, hoje isentos de Imposto de Renda: será impossível fugir dela em 2023, mas os efeitos sobre os proventos dependerão de como a mudança será compensada para as companhias.
“Caso o imposto não seja compensado, com queda nas alíquotas para empresas, veremos um incentivo para as empresas reterem seus lucros e a distribuição de dividendos será afetada”, destaca Tahara. “Por outro lado, impostos menores para empresas poderiam elevar o lucro, que é passível de distribuição”, completa.
Para Sobreira, da Ivest, uma tributação dos dividendos poderia ser positiva se houvesse uma redução na carga tributária das companhias, que acabariam reinvestindo, aumentando lucros e pagando mais dividendos no futuro. Mas o cenário é nebuloso.
“É provável que no lugar de baixar outros impostos, acabem sendo criados novos para as companhias”, aponta. Para ele, o investidor será taxado duas vezes de qualquer forma.
Segundo Alves, uma tributação de dividendos com redução de imposto para as empresas até poderia beneficiar algumas companhias da Bolsa, mas é muito provável que um novo movimento de antecipação de dividendos seja visto em 2023.
Reportagem de Katherine Rivas/InforMoney