Pix automático e Pix agendado devem entrar em cena em 2023
© Marcello Casal JrAgência Brasil |
Modalidade de transação caiu no gosto dos brasileiros e já supera uso de cartão de crédito
Pix, que caiu no gosto dos brasileiros, terá novas funções a partir de 2023, como transferências internacionais e pagamento de contas em débito automáticoPix, que caiu no gosto dos brasileiros, terá novas funções a partir de 2023, como transferências internacionais e pagamento de contas em débito automático.
Cada vez mais presente na vida financeira do brasileiro, o Pix tem novas modalidades e inovações prestes a entrar em cena para aumentar a eficiência e a segurança. A partir de 2023, o crescimento do Pix deve ser acelerado com novas funções, como o pagamento de contas em débito automático e agendado e transferências internacionais, apontam o BC e especialistas ouvidos pelo GLOBO.
Se o sistema de transferência sem tarifas foi visto em um primeiro momento com desconfiança pelos bancos, o sucesso do Pix tem unido a autoridade monetária e o setor financeiro na ampliação das aplicações do sistema, que completou dois anos no mês passado. Há 536,9 milhões de chaves cadastradas para 140 milhões de usuários. As novas funções devem atrair ainda mais interesse, diz Ângelo Duarte, chefe do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro (Decem) do Banco Central (BC):
— Em 2023 e 2024, o foco será sobre o desenvolvimento de novas funcionalidades para incrementar a segurança do Pix e um novo produto, o Pix Automático, que aumentará a eficiência e democratizará o acesso de pessoas e empresas ao débito automático.
O sistema de transferências instantâneas do BC termina 2022 com mais um recorde: superou pela primeira vez a marca de cem milhões de operações — que somaram R$ 60 bilhões — em um único dia na terça-feira, quando empresas pagaram a segunda parcela do décimo terceiro.
Sucesso financeiro em 2022, Pix terá novas funcionalidades a partir de 2023, como pagamento de contas em débito automático — Foto: Editoria de Arte |
O BC estima que mais de 60 milhões de pessoas sem acesso a transferências bancárias via TED passaram a usar o Pix nestes dois anos. Estudo da consultoria ACI Worldwide, citado pelo BC, indica que o sistema gerou, em 2021, economia de US$ 5,7 bilhões (quase R$ 30 bilhões) para empresas e consumidores. Com novas aplicações, a cifra deve chegar a US$ 37,9 bilhões (R$ 195,7 bilhões) até 2026.
Atualmente, o Pix já pode ser usado para pagar boletos ou substitui-los, com as funções QR Code ou “Copia e Cola”. O Pix Automático permitirá que os usuários usem a ferramenta para programar pagamentos recorrentes, como os de contas de luz, água, telefone e internet, assim como se faz hoje com a conta corrente.
A expectativa do BC é aumentar ainda mais a competição do Pix com os cartões de crédito e débito no pagamento de serviços como streaming, academias, condomínios e até transporte e delivery contratados por aplicativos como Uber e iFood, ampliando o acesso.
Operação internacional
A mudança será mais profunda para as empresas. Hoje, elas precisam firmar um acordo com cada banco para oferecer um serviço com pagamento mensal automático, em crédito ou débito. Uma plataforma vai viabilizar o Pix automático sem a dependência de acordos individuais. O impacto esperado é o aumento na oferta da modalidade de pagamento em diferentes estabelecimentos.
— O BC criou o produto, está aprendendo com o mercado e evoluindo de acordo com o usuário final — avalia Marcelo Martins, diretor institucional da ABFintechs, que reúne startups financeiras.
Embora o Pix automático seja a “prioridade zero” do BC em 2023, outras funções estão em desenvolvimento. Uma delas é o Pix Internacional, que poderá permitir transações instantâneas entre usuários no Brasil e pessoas e empresas em outros países. O principal entrave, no entanto, ainda é a conciliação de diferentes aparatos legais.
— O Brasil se tornou referência. O Federal Reserve (banco central dos EUA) tem feito interface com o BC do Brasil sobre o FedNow, sistema de fast payment americano. O México tem regulamentação de fintechs nessa linha. Países como Colômbia e Argentina estão olhando. O Brasil está na dianteira — diz Fernanda Garibaldi, diretora executiva da Zetta, associação de fomento à competitividade fundada por Nubank e Mercado Pago.
Em evento interno recente, o BC confirmou que tem mantido reuniões com os EUA para compartilhar informações sobre o Pix, mas ressaltou que o sistema americano, previsto para ser lançado em 2023, não tem relação com o brasileiro.
Bruno Diniz, professor de inovação financeira e fintechs no MBA da Esalq/USP, explica que uma diferença é a adesão dos bancos. No Brasil, é compulsória para todos com mais de 500 mil contas. Nos EUA, não há essa previsão.
Ele diz que a cadeia de pagamentos passará por mudanças em competitividade, eficiência e redução de custos para manter a base de usuários:
— Com o Pix internacional, será reduzido drasticamente o que é cobrado pelos banco do ponto de vista de remessas.
Apesar de não estar na agenda de trabalho do BC em 2023, operações de crédito por meio do Pix, que permitem compras parceladas, já foram criadas por alguns bancos e fintechs. O serviço garante o recebimento de um valor integralmente de forma instantânea, mas permite a quem paga parcelar o débito, geralmente com cobrança de juros, como no empréstimo pessoal. É o chamado Pix Garantido. A tendência é que o modelo seja impulsionado pelos bancos.
Em sandbox — ambiente para testagem de novos mecanismos — o Itaú vem testando a chamada conta pós-paga com o Pix. Um cliente, sem saldo na conta, poderia adquirir crédito para o pagamento instantâneo e definir um prazo para pagar. Diferentemente do cartão de crédito, o consumidor não precisa de limite previamente aprovado pelo banco. Com o cruzamento de dados do usuário, é feita análise de perfil e liberação de um valor limite para determinada compra em tempo real.
— Com o Pix Garantido, vamos ter confronto mais direto com o cartão de crédito. Abre-se mais uma fronteira na questão da competição e no acesso ao crédito — avalia Diniz.
A intersecção do Pix com o Open Finance — o sistema de compartilhamento de dados entre instituições financeiras — é um campo fértil de inovação. Bancos já permitem que consumidores façam pagamento via Pix usando recursos que estão em diferentes contas e instituições.
Outra possibilidade é o desenvolvimento dos iniciadores de transação de pagamentos (ITPs), aponta Marcelo Martins, da ABFintechs. Eles reduzem o fluxo de um pagamento no Pix a poucos cliques, dispensando QR Code em transações recorrentes. É similar à compra com um clique possível hoje com o cadastro de cartões em sites de compras muito usados por uma pessoa.
Foco em segurança
Segundo o BC, os números de fraudes e golpes envolvendo o Pix estão estabilizados. Em 2022, representaram 0,006% do total de transações no ano. Nessa área, duas mudanças estão previstas para 2023. A primeira é a “marcação de fraude”. Em vez de apontar contas correntes envolvidas em transações suspeitas, o BC passará a dar sinal vermelho aos CPFs por trás delas, para mitigar a criação de contas “laranjas”.
O BC trabalha no desenvolvimento de nova versão do Mecanismo Especial de Devolução (MED), o protocolo que permite o bloqueio de uma transação notificada como fraude e viabiliza a devolução do valor para a vítima. Essa operação é feita hoje entre um banco e outro. A nova versão, MED 2.0, permitirá a comunicação de fraude entre diversos bancos, favorecendo maior rastreabilidade e eficácia na devolução. A mudança é justificada pela rapidez dos fraudadores, que atuam com várias contas ao mesmo tempo.
*Reportagem de Renan Monteiro — Brasília/O GLOBO